TRISTEZA NÃO É DEPRESSÃO, ACONTECIMENTOS DE VIDA NÃO SÃO TRAUMAS

Nos últimos tempos têm vindo a lume diferentes trabalhos de investigação em Portugal reportados a jovens que apontam para números inquietantes de quadros ansiosos e depressivos, inclusive sobre eventual ideação suicida. Um esboço de um catastrofismo imprudente e desfocado.

Convirá explanar que de entre a descrição e a listagem das patologias da ansiedade algumas são meramente situacionais e não incapacitantes, exemplificadas em certo tipo de fobias simples, muito aquém, portanto, da severa agorafobia (“medo de sair à rua”) acompanhada de ataques de pânico recorrentes (“medo súbito de morrer”). Esta comorbilidade, sim, é preocupante. Por outro lado, a ansiedade dita generalizada não é um quadro clínico constante e surge entrelaçada com facetas temperamentais da personalidade e os contextos de vida, onde naturalmente ocorrem adversidades, mas também resiliências. O comum dos mortais supera tais obstáculos e exerce quer o seu mister quer a interação social e familiar. “Não há rosas sem espinhos”. Alguns tomarão ansiolíticos ou antidepressivos, quiçá desnecessariamente. Como lenitivo, sonífero, talismã ou outra qualquer função. A iliteracia em saúde mental e o sistema de crenças são uma poderosa díade. Todos conhecemos o conluio entre o comprimido da noite e o café duplo matinal…

Na outra vertente, as patologias do humor são intrigantes na sua apresentação, ou seja, a patoplastia, nem sempre fácil de perceber e balizar.  Camaleónicas, frequentemente transitórias, oscilantes ou cíclicas. Podem assim ser apelidadas, numa visão simplificada. O consenso dentro do Estado da Arte, emanado de especialistas clínicos no terreno com larga experiência, de acordo com a nomenclatura das classificações internacionais das perturbações psiquiátricas (ICD-11 e DSM-5-TR), torna ainda mais complexa qualquer assunção categórica de doença, designadamente quando as conclusões se remetem apenas à psicometria, vulgo escalas de depressão. Na verdade, os testes psicométricos não só não fazem diagnósticos como raramente obedecem a observações longitudinais periódicas da mesma pessoa. De sublinhar ainda que é muito comum a confusão entre sintomas depressivos e doença depressiva. Para esta última, há critérios a ter em conta, aliados ao fator tempo (cronos) e ao bom senso. Precisamente por isso, eventuais erros metodológicos de trabalhos científicos sugerem, logo à partida, um viés nas conclusões finais.

A mágoa ou a tristeza dos humanos esbate-se quase sempre ao fim de uma ou duas semanas. Felizmente é o que acontece com grande parte dessas populações sofridas que utilizam as suas próprias ferramentas psicológicas de modo a superar contrariedades inerentes aos acontecimentos de vida. Por vezes, além do stresse do dia-a-dia. “Lamber as feridas”. Chama-se ajustamento ou adaptação. Tem outra nosografia. E não é depressão.

Não obstante, jamais poderemos ignorar que os respondentes de testes, usualmente tipo likert, quando se sentem sombrios ou angustiados, possam carecer de que a sua dor psicológica seja legitimada e o seu discurso de turbulências emocionais validado. Daí poderem potenciar os seus queixumes. Uma hipérbole. Uma lupa. Faz parte da natureza humana e da comunicação para fora, para o mundo. As chagas de cada um são sua pertença. Uns mostram mais do que outros. É mesmo assim. Porém, há que contextualizar, como agora se diz. Ousadia dos testes: Ler “o dito” para alcançar “o não dito”? Compreender, sim, explicar, também. Tarefa difícil, mas não precisamos de alarmismos.

Carlos Braz Saraiva

In Público “Online” 29 setembro 2024