NEGRUME NA PSIQUIATRIA E NO DIREITO: UM CASO DE SUICÍDIO ASSISTIDO

A notícia tem corrido mundo: Zoraya ter Beek é holandesa, tem 29 anos, vive em Oldenzaal. “Solicitou a morte assistida por eutanásia em dezembro de 2020.” Uma “eutanásia psiquiátrica”. Motivos apontados e citados, em síntese, na comunicação social: “Depressão crónica, ansiedade, trauma, transtorno da personalidade desde a infância, espectro do autismo.”

Segundo a paciente, depois de uma psiquiatra lhe ter dito que “não havia nada mais a fazer”, formulou o seu pensamento na proposição “se não posso melhorar, não posso viver mais.” Ou seja, estamos perante uma das mais clássicas distorções cognitivas “beckianas” de alguém deprimido. Sublinhe-se que existirá inequivocamente uma angústia intrínseca que tem que ser validada. Essa mensuração psicoálgica só pode emanar da protagonista, jamais do terapeuta. Por outro lado, todo o revestimento da dor, leia-se sofrimento, terá que ser compreendido e legitimado. Tudo isto é essencial e integra as leges artis da medicina, psiquiatria contemporânea e aliança terapêutica. As neurociências tiveram um fortíssimo desenvolvimento nestas últimas décadas, mas tal não poderá significar o postergar da riqueza comunicacional entre humanos. Nem tudo advém da simples e imediata “mecânica do cérebro”. Já ouviram falar em empatia e compaixão? Por definição, o médico é pela vida, ainda que não um fanático que imponha a vida! Todavia, terá que ser sempre inspirador de um vislumbre de esperança. Um terapeuta pessimista certamente errou a sua profissão.

Ora vejamos:

1. Não existem depressões crónicas com ideação suicida permanente – essa vulnerabilidade é fluída, pode ocorrer ou não (David Rudd);

2. Não existe vida sem ansiedade, ela é precisa para o quotidiano, Lei de Yerkes-Dodson (a ansiedade só é doença se for gravemente incapacitante para o que a Organização Mundial de Saúde define por Saúde Mental ou se estiver contemplada nas nomenclaturas internacionais, DSM-5-TR/ICD-11).

3. O conceito de trauma alargou-se nos últimos 40 anos, desde as vivências de guerra às de violação, etc., mas viver sem traumas neste mundo é quase utópico; vão e vêm: “Os rochedos só se veem quando a maré está baixa”, Viktor Frankl).

4. Não existem verdadeiros transtornos da personalidade desde a infância (a personalidade só está “organizada” pelos 18 anos).

5. O espectro do autismo pressupõe um mundo isolado de um indivíduo “ensimesmado” e de baixa interação social. Ocupação solitária (p. ex., informática), a companhia de um animal (p. ex., cão), uma rede de suporte familiar não sufocante, são muito importantes para o bem-estar.

A psiquiatria contemporânea tem poderosos recursos terapêuticos para lidar com as situações psicopatológicas como as de Zoraya ter Beek, mormente no reverter das designadas depressões resistentes ou refratárias a tratamentos de primeira linha. Mais do que um negrume, estamos perante um perigoso portal que, no emaranhado risco de uma psicopatologia torcida ou manipulada, confunda a árvore com a floresta. Este caso da jovem holandesa exemplifica o que não deve ser nem considerado nem exequível. Jamais poderemos esquecer que o nazismo executou dezenas de milhares de doentes mentais tidos como parasitas que nada produziam para a grandeza do III Reich e sua raça superior…