OS VIDEIRINHOS

Um dos episódios mais curiosos nos pós 25 de Abril de 1974 foi a súbita emergência de umas personalidades que de um momento para o outro passaram a exibir A República e o Diário de Lisboa debaixo do braço em contraste com A Bola e o Record de semanas antes. Catalisadores de tarefas, despachados nas ordens, acalorados na oratória, furiosos perante um confronto de ideias…  A alguns eu nunca ouvira uma opinião fora do futebol, mulheres, totobola e comes e bebes. Nem tão pouco tinham feito campanhas pelo MDP/CDE ou assistido a comícios no Teatro Avenida de Coimbra de oradores inesquecíveis, como António Arnaut, Orlando de Carvalho, Alfredo Fernandes Martins, António Campos…  Mas eles aí estavam em hordas de assalto de um autoproclamado esquerdismo de poder popular, como aconteceu com o ataque à Secção de Xadrez da Associação Académica de Coimbra em 1975, da qual eu era um dos dirigentes. Convirá recordar que nesse tempo ser-se socialista era ser-se fascista. Poupo-vos, por agora, pormenores sobre esta história triste.

A Psicologia das Multidões explica bem tais fenómenos. O fanatismo acrítico deu bandeiras desfraldadas a estas manadas, mas toda a inteligência ficaria pela corneta, embora isso só mais tarde se reconheça. Obviamente que a sensação de poder, por vezes acompanhada de certos adereços, estimulava a persistência de protagonismos sociais. Como gentes de palco e de palmas, alguns saídos de um atávico cinzentismo, cedo perceberam que o importante era conhecer os sinais do vento. Na verdade, o cavalo do poder é para ser montado. Dizem. É preciso estar no lugar certo e não importa a cor do cavalo. Isso explica porque há trânsfugas entre Partidos. A ideologia frouxa foi logo sugada pelos interesses comezinhos do imediato ou lidos como grandiosos pela intuição do que estaria para vir. Caminho aberto para oportunistas que nunca conheceriam a decência, a honradez, o servir a Pátria. Jamais o questionar o Chefe e saber gargalhar com ele é uma receita de sucesso. Dar tempo ao tempo e de preferência ostentar um carro vistoso, usar boas gravatas e fatos à medida também ajuda. E acima de tudo mostrar-se com ar de sabido sem opinar. Mais do que uma arte, é um dom. Uma rampa de lançamento. O poder não gosta de pessoas que pensem demais. Portanto, não surpreenderá que em muitos lugares de decisão sejam colocadas personagens que nada devem ao mérito, mas sim a outros contornos. De fidelidade canina ou outras forças. Ignorar ou decapitar os quadros mais habilitados empobrece o Estado e perpetua um indecoroso jogo de cadeiras. A historieta de que ser-se ex-ministro é melhor do que ser-se ministro parece ter algum fundamento. Os exemplos estão à vista, sem pinga de pudor.

Quando a geração que lutou pelo 25 de Abril de 1974 – e já passaram quase 50 anos – observa que o poder económico há muito que capturou o poder político e para isso basta ver o que se tem passado com a Banca ou com os Reguladores, não é difícil perceber que esse polvo só foi possível crescer porque muitos agentes foram complacentes, coniventes ou algo mais. Não vale a pena poupar nas palavras: muitos roubaram descaradamente o país com a plena convicção de impunidade. E o que lhes aconteceu? Nada. Existe inequivocamente uma crise de valores na sociedade. Há muito que os alarmes já deveriam ter soado. Trata-se de um problema de todos nós. A Democracia assim o exige. Enquanto isso, os videirinhos, campeões da golpada e do “lambebotismo”, andam por aí.