AS BRUXAS

Conheci várias curandeiras populares, desde histriónicas dissociativas a epiléticas, gentes de benefício nas suas comunidades pelas rezas e ervas em tisanas. Não tanto por dons de adivinhação. Por norma, temidas ou respeitadas, esses alegados poderes suscitavam quase sempre secretismos. A famosa expressão “tens que sair” é um convite a procurar ajuda fora dos circuitos médicos. Frequentemente à comunicação médica faltam requisitos de bom senso e de explicação entendível. Como alguém disse é preciso usar o “estetoscópio da alma”. As Faculdades de Medicina estranhamente só há poucos anos acordaram para esta realidade. Os médicos têm que adquirir competências para lá do saber dos Tratados Médicos e das respostas dos exames complementares. Esquecidos da semiologia clínica dos clássicos. Apenas confiáveis nos equipamentos das novas tecnologias. Ignoram a vertente de antropólogo que se irá debater com a complexidade das manifestações do sofrimento. Um pescador ou um soldado não diz que anda triste, diz que tem dores. Uma desesperada com ideias de suicídio pode tão só dizer que não dorme. É preciso ir além do que é dito. A metacomunicação.

Vocalizações, paramentos e outros aparatos usados pelas mulheres de virtude ajudam a potenciar a ideia de que têm poderes superiores. Se a viagem é longa e sinuosa, aguça a expectativa de cura. Essa crença motivadora é, então, muito forte. Provavelmente, o desgraçado ouvirá o que quer ouvir ou verá o que quer ver. A atribuição ou baptismo da moléstia por um nome compreensível, exemplificado no mau-olhado, mal-de-inveja ou encosto, intriga, mas simultaneamente acalma o paciente porque o pior perigo é o que não tem nome. Como me confrontei tantas vezes “corri tudo e só agora sei o nome para o meu mal”.

Uma aluna de Erasmus de Medicina ficou estupefacta pela propaganda nos jornais portugueses a curandeiros que curam quase tudo. Disso conversámos. A lista é imensa. Certas crenças e a pseudociência estão irmanadas na exploração de inocentes e ingénuos sem que a sociedade se importe muito com isso. Uma das razões presumo ser a dificuldade em encontrar as fronteiras entre certas práticas científicas e o charlatanismo. É rara a condenação pelos Tribunais de bruxas. Conheci pessoas burladas de diversas maneiras. Em dinheiro vivo ou ouro para ser benzido. Muitas mais haverá, contudo têm vergonha de contar.

Notícias recentes, do peculiar mundo do futebol, a Norte, de que alegadamente seria possível gastar mais de mil euros por dia numa bruxa são espantosas. Bem sei que somos um país latino onde ocorrem muitos fenómenos que estão relacionados com as crenças na sorte e no destino. Veja-se o estrondoso sucesso das Raspadinhas e do Euromilhões. Mas bruxas deste quilate terão que ser muitíssimo poderosas. Precisamente por isso merecem certamente os melhores proventos. Sem impostos.