O RELÓGIO CRAVEJADO DE DIAMANTES E A PULSEIRA DE OURO MACIÇO
Publicado no blog em Set 23, 2022(Diálogos ao pôr-do-sol tropical)
O relógio cravejado de diamantes (RCD) – Ufa! Finalmente consigo relaxar um pouco. Já não tenho que estar sempre com a preocupação de me mostrar abaixo do punho da camisa e a ser devassado pelos olhares dos piolhosos…
A pulseira de ouro maciço (POM) – Isso chama-se inveja. As pessoas adorariam ser como tu. Reluzente e grandioso. Ainda por cima um exemplar único daquela casa famosa relojoeira de Genebra. Custou uns trocos do muito suor e canseiras…
RCD – Sim, sim, uma satisfação imensa. Saber que sou um exclusivo universal.
POM – Sinto-te ufano! Pronto, está bem! A vaidade é para se mostrar.
RCD – Mas hoje não sei bem porquê, talvez pelo excesso de calor e humidade neste maravilhoso pôr-do-sol junto ao mar, lembrei-me lá do torrão, muito mais ameno. Aqui às vezes mal respiro. E os chatos dos mosquitos e o suor pegajoso… Estes rapazes bem abanam os leques para ventilar, mas não chega.
POM – Tu andas sempre a olhar para os ponteiros. Não fiques nostálgico. Uma hora aqui continua a ter 60 minutos.
RCD – Sim, é certo. Mas tenho saudades dos nossos amigos festeiros e sempre prestáveis para acudir às tremideiras e enxaquecas, não àquela coisa chata das hemorróidas, que são doenças de desgraçadinhos… Ui! Até me arrepia falar disto.
POM – Não sejas jocoso demais. Bem sei que és uma peça única da relojoaria suíça mas um pingo de decoro não ofuscaria nem o teu brilho nem a tua mania das grandezas.
RCD – Afinal, não percebes que ser vaidoso só pelo talento, que uns idiotas e pindéricos chamaram de sibilino, não chega para a fama futura? Tem que ser supervigoroso e atrair as luzes. E isso põe-me na estratosfera. Voo…
POM – Ah, então será que já estás a pensar num busto numa Praça Central?
RCD – Modéstia à parte, sonho com uma estátua colossal em cima de um majestoso plinto. Coisa de ser admirada. Mas não divulgues nada. Vai ser de arromba.
POM – E quanto aos “recuerdos ou souvenirs” para aquela malta simpática lá da parvónia?
RCD – Temos que ser desconcertantes pela nossa inteligência superior. Depois do espanto, virá o riso. Se os fizermos gargalhar isso será fabulástico.
POM – Fabulástico?! Agora também és inventor de palavras?
RCD – Esse é um segredo bem guardado. Quem impõe palavras transforma a sociedade. Olha, os Srs. Gillete, Ford, Citroen e tantos outros. É um dos maiores poderes, tal como cunhar moeda. Lá bem sabiam os Imperadores em Roma dominar o mundo. Não basta mudar os paramentos do trono.
POM – As coisas que tu sabes…
RCD – É um dom, eu sei. Um QI à Einstein, daqueles de rebentar a escala.
POM – Estou verdadeiramente espantado. A tua cabecinha nunca está parada. O que andas por aí a congeminar, então para as tais prendas?
RCD – Olha, estive a pensar. Enviamos um contentor cheio de cocos.
POM – Cocos?!
RCD – Sim. Dá para todos. E vai com milhares de palhinhas.
POM – Palhinhas?!
RCD – Sim, claro. Servem para chupar.
(Fim do pôr-do-sol; recolhem-se; amanhã virá um novo dia e voltarão a reluzir)