AINDA A PROPÓSITO DO “ENRIQUECIMENTO ILÍCITO” DE ALGUNS POLÍTICOS…

Tais notícias são como os cometas. De vez em quando irrompem no firmamento e logo de seguida nas capas dos jornais em manchetes de letras gordas e vistosas. Um rebentar de uma onda de excitação. As televisões tornam-se ainda mais frenéticas. Toca o sino a rebate! Vê-se gente numa correria para as lunetas de Galileu. A turba está mesmo agitada. É desta! É desta é que vai, gritam em uníssono! Ora bolas, afinal, ainda não foi desta! O raio é que se aparecem rapidamente desaparecem na escuridão. Que desconsolo! Antigamente até tinham cauda. Via-se o rasto. E o pessoal, acinzentado e novamente macambúzio, baixa as orelhas e encolhe os ombros: “É a vida! É a cruz! É a canga!”

Quando há uns anos um poderoso figurão proclamou que não tinha pressa em ir ao pote, logo outro, da margem oposta, mais genuíno, afirmou desempoeiradamente que quem está no poder come e quem está na oposição só cheira. O partido não gostou desta filosofia rasteira e despediu o rapaz. Fez mal. A profundidade do pensamento aliada à beleza da retórica faria dele um bom combatente, muito para além da destreza em colar cartazes de propaganda sobre o que se promete e não sobre o que se fez. Típico. Uma prudente travessia do deserto ou uma reciclagem nas artes subtis da comunicação e dos gestos, mais uns resumos esquemáticos de “A Psicologia das Multidões” projectá-lo-ia seguramente para uma boa autarquia. Pelo menos. Porque para voos mais altos já são precisas outras militâncias, outros oráculos, um fiel “lambebotismo” e uma coluna muito flexível que outros chamariam de dúctil. Engenho de pau para toda a obra. Como o electricista que foi Ministro da Saúde ou o janota que ficou surpreso de ser Ministro de algo que não estava à espera. Mas essa coisa da versatilidade treina-se e ajeita-se, não é? Entretanto, uma passagem pelos bombeiros ou pelo clube de futebol da terra manteria a chama viva. Sempre se iam lembrando dele, até porque fazia prova de existência. “Não esperem pela demora, um dia cantarei de galo”. Que o homem é de rija têmpera, lá isso é verdade. E com o súbito investimento no Curso Intensivo Pós-Laboral de Cultura Geral em 30 lições, oferta desinteressada de um verdadeiro amigo senhor empreiteiro, jamais se enganará em público no número de Cantos dos Lusíadas de Camões nem se confundirá com os violinos de Chopin. Umas pinceladas de erudição à pressa sempre ajudarão a compor o ramalhete do fato de estilo com gravata e lencinho em elegante sintonia. Está, pois, na rampa de lançamento.

Sejamos sérios. Na verdade, o que existe é muita inveja por aí. Já um homem não pode passar da lata de ovas de sardinha ao caviar, do franguito da Guia à perdiz da coutada, do carrascão adstringente ao Barca Velha, das férias pobretanas de campismo ao hotel sobre a falésia… Caramba, tudo depois de subir a pulso pelo mérito e dedicação! Sempre com muito suor aliado à grande vontade de poupança. Aliás, esta competência sempre foi tida como mais do que uma capacidade, um dom especial. Fazer o pé-de-meia. Se não for aqui que seja em Gibraltar, no Luxemburgo, na Holanda ou mais longe, mesmo nas Ilhas Caimão. Curioso, o dinheiro até parece que se multiplica. Na aldeia sempre se ouviu dizer que são as pequenas ribeiras que engrossam o caudal do rio. Velhos ensinamentos.

Mas voltando às dores-de-cotovelo, aquelas más-línguas pérfidas se se trincassem morreriam envenenadas. Até tiveram o desplante de falar em corrupção e subornos. Uns imbecis que deveriam saber o que são liberalidades recebidas. Uns sacripantas que tentam baralhar o difícil e labutado alpinismo social com as jogadas ardilosas e malévolas dos da outra banda. “Nós estamos do lado do bem. Os outros, os crápulas, essa banditagem, estão do lado do mal”.

Vamos ser justos. Ser riquito não é ser rico. Uns quantos milhões só dão para uma casa na Quinta da Marinha, não para comprar o Palácio de Seteais. Só dão para um pequeno jacto Phenom 100 da Embraer, não para um Gulfstream G200. Só dão para um barquinho de dois “decks”, não para um iate das Arábias. Portanto, não exageremos. O povo é sereno. Aos santos sempre se deram oferendas pelas graças concedidas. Os pagadores de promessas aguardarão pelos bens celestes. Outros usufruirão dos bens terrestes e continuarão com as suas gargalhadas tonitruantes em frente à saloiada… “É a vida! É a cruz! É a canga!” Até quando, malta?